Os vinhos de Josko Gravner não são para iniciantes, wine lovers acomodados e pouco exigentes, mas para iniciados e amantes do vinho em busca da aventura do vinho sincero, vibrante e honesto.
Entretanto nem sempre seus vinhos foram assim. Nos anos 80 e 90, os vinhos de Gravner eram dos mais premiados do mercado e seu chardonnay considerado o melhor da Itália.
E, de repente, não mais do que de repente, apenas para o olhar dos desavisados, Gravner vendeu todos os equipamentos modernos, as prensas hidráulicas, os controles de temperatura, desfez-se de tudo isto, adquiriu prensas antigas do tipo cesta, ânforas do Cáucaso enterradas na terra e começou a fazer vinhos como se fazia no início dos tempos do vinho, há cinco ou seis mil anos. A diferença entre seus vinhos e os da Antiguidade está em que ele usa bottis e um mínimo de sulfito, um aditivo que os romanos há mais de dois mil anos já recomendavam.
Não são vinhos fáceis, mas é o próprio Gravner que revela que faz vinhos para ele e não para o mercado. Ele bebe seus vinhos e o que sobra, ele vende. Assim de simples! Para ele o bom não significa agradar a todo o mundo. Gravner é, sem dúvida, um produtor comprometido com suas convicções.
E não sem razão se pode dizer que seus vinhos são o alfa e o ômega. E é o que você pode constatar a partir da entrevista de Josko Gravner – que está mais para um camponês de vinhedos do que um produtor de vinhos premium, genial e humilde, energicamente sincero e comprometido com seus ideais. Uma das figuras mais revolucionárias do vinho, quase nunca sai e viaja, como camponês que trabalha no campo na Oslavia, Friuli.
A entrevista com degustação foi organizada pela Decanter de Adolar Hermann, importador de Josko Gravner, com jornalistas no dia 12 de janeiro de 2015 em S. Paulo.
Josko Gravner, vitivinicultor de Collio no Trentino, é hoje considerado um genial revolucionário do vinho. E por quê? Se formos escavar mais fundo, a razão desta rebeldia e genialidade estão fundamentadas no compromisso de buscar fazer o melhor, mas não segundo as regras do mercado, e sim de acordo com a ética de fazer um vinho sincero e honesto de acordo com os ditames de seu coração.
O vinho de Josko Gravner é sincero na acepção da palavra sincera, “sine cera”, sem cera, como eram chamadas as esculturas de mármore que não continham nenhuma cera para ocultar os defeitos e as lacunas da escultura.
Josko Gravner não acrescenta aditivos – para maquiar seus vinhos -, que são feitos em ânforas do Cáucaso, enterradas na terra, e ali fermentam e ficam por um ano e depois mais cinco ou seis em grandes bottis de 1.500 a 2.500 litros.
Não usa leveduras “selecionadas” (muitas das quais já vêm “batizadas” com aromas sintéticos), mas as leveduras das uvas de seus próprios vinhedos. Quando lhe perguntei se não ocorria de as leveduras pararem de agir antes da hora, Gravner respondeu que isto não acontece com seus vinhos. Por quê? Porque seus vinhedos não passam por herbicidas, pesticidas, químicas, e sim por um cuidado intenso no vinhedo, com uma rentabilidade baixíssima. Cada planta depois da poda fica com seis cachos que ele ainda corta pela metade para ganhar em concentração.
Tampouco filtra ou clarifica seus vinhos. Porque o vinho quando filtrado perde coisas muito importantes, diz ele. O filtro mata enzimas, bactérias e leveduras, três elementos vivos. E ele crê que ao se perder estes elementos, o vinho fica uma coisa morta.
Seus vinhos são efetivamente vinhos vivazes, cheios de energia e vida. Vinhos para iniciados, para quem se aventura fora do quadrado do mercado.
Gravner visitou vinícolas na Europa e em Romanée Conti se deu conta da importância de se fazer poucos e bons vinhos, algo que seu pai lhe repetia, enquanto ele retrucava que era capaz de fazer muitos e bons… Em 1987, Gravner vai à Califórnia e se dá conta de que os vinhos eram todos iguais. E era isto que não queria fazer.
Viaja então à nascente do vinho, ali onde o vinho começou a ser feito: na Mesopotâmia, na Anatólia e no Cáucaso. Vinhos especiais, únicos em pouquíssima quantidade e excepcional qualidade. O branco de Ribolla Gialla tem a cor âmbar dos vinhos brancos das pinturas renascentistas. Observe que o rótulo dos vinhos de Gravner é sempre o mesmo, o que muda é o contra rótulo que indica se é um Breg Anfora ou um Ribolla, etc. Total descaso com o marketing.
Notas de degustação
Ribolla 2005 !!!
Ribolla Gialla, uva nativa de Collio.
Um ano em ânfora e quatro em botti de capacidade de 1.500 litros.
Em taça, cor viva âmbar.
Aromas de frutas maduras, frutas secas e castanhas. Especiarias, damasco, mineral, complexo.
Acidez bem gastronômica . Médio corpo, bem estruturado, fino, elegante.
Para iniciados. Não é um vinho fácil. Diferente de tudo o que você já bebeu. Loooonga persistência.
R$433,20 na Decanter.
Ribolla 2006 !!!+
Ribolla Gialla, uva nativa de Collio.
Um ano de ânfora e cinco de botti.
Em taça, âmbar.
Frutas mais maduras, frutas secas, castanhas, complexo.
Mais macio e redondo. Gastronômico. Elegante.
Breg 2006 !!!
Pinot Grigio, sauvignon blanc, riesling itálico, chardonnay. Um belo vinho que vai além da soma de suas partes. Um belo vinho que ele não vai mais fazer.
Âmbar mais escuro em taça.
Frutas maduras, frutas secas, damas, avelãs. Gastronômico.
Elegante e final longo.
R$ 433,20 na Decanter.
Rosso Breg 2003 !!!
Pignolo 100% (uva nativa de Collio)
Nõ ostenta DO porque é Vino da Távola, e a legislação italiana não permite pôr nem a uva nem a safra no rótulo. Duas mil a três mil garrafas por ano.
Frutas vermelhas maduras. Floral. Notas leves de cedro.
Muito delicado, muito fino, leve para médio corpo. Boa persistência.
Uma beleza e a Decanter vai importar e vem com o nome de Pignolo.
Rujno 1999 !!!+
Merlot e 5% de cabernet sauvignon
Videiras de 50 anos.
Frutas vermelhas muito maduras, complexidade,
Em boca, leve e delicado, especiarias, complexo,
Também não vai mais fazer este fantástico merlot.
Daqui em diante ele somente vai fazer Ribolla e Pignolo, os demais não mais. A razão para deixar de fazer estes vinhos excepcionais? Confira em “Para saber mais”, logo abaixo.
Para saber mais
Transcrição da fala de Josko Gravner, traduzida por Guilherme Correa, sommelier tarimbado da Decanter.
Josko Gravner começou a acompanhar o pai aos 15 anos nos vinhedos e o pai já dizia que a adubação devia ser feita pelos coelhos.
Seu pai já dizia que se devia fazer poucos e bons vinhos e ele declarava que era capaz de fazer muitos e manter a qualidade. E depois viu que o pai estava certo.
Hoje ele faz o vinho para si, o que ele quer e não o que o mercado quer.
Gravner visitou muitas vinícolas quando jovem, entre elas Romanée Conti, o ápice da qualidade e do empenho em se fazer um grande vinho. Naquele momento, Gravner já tinha alcançado o máximo, mas sentia que podia fazer mais, valorizando a sua terra, o terroir de Collio.
Nesta viagem ele viu que o ideal era produzir muito pouco, fazer aquela poda verde. Hoje ele deixa apenas 6 cachos por planta, e corta os cachos pela metade para concentrar as substâncias aromáticas nos cachos.
Em 15 hectares ele faz 20 mil garrafas, enquanto que um hectare de prosecco faz 20 mil garrafas! Gravner faz 10 hectolitros por hectare de produção.
Para ele é fundamental trabalhar com honestidade, com ética, respeito à terra, respeito aos produtos que ele faz.
No momento da virada, vários de seus vinhos já tinham os três Bicchieri e seu chardonnay era considerado o melhor da Itália. Ele vendeu todos os equipamentos modernos, equipamentos de refrigeração, prensas pneumáticas e trocou por prensas antigas, daquelas de torque, de cesta, vendeu todos os equipamentos e voltou à antiguidade do vinho.
Gravner sempre diz que se você quer beber água pura tem que ir à nascente do rio e não na foz, onde ele deságua. Ele voltou à nascente, às origens da agricultura.
Em 1987, viaja à Califórnia e esta viagem foi o momento da virada. Foi esta viagem que o fez ver que a California está na direção errada, como ele declara. O vinho na Califórnia tinha aroma sintético. Quando retorna à casa, sua esposa lhe perguntou o que ele viu de novo e ele responde, vi uma coisa importantíssima, o caminho que eu não quero seguir! Foi uma luz, os vinhos eram todos iguais, feitos com aromas sintéticos.
Começa então a pesquisar a história do vinho e assim vai à nascente do vinho: Mesopotâmia, Anatolia, Cáucaso e chega à república da Geórgia.
Em 1996, chega à sua vinícola a primeira ânfora da Geórgia e em 1997 faz um experimento com uma pequena ânfora de 250 litros e naquela primeira fermentação ele sente seu coração tremer de emoção ao ver o comportamento da fermentação na ânfora e os resultados de Ribolla em ânfora de 250 litros.
Hoje trabalha com ânforas de 2.500 litros.
Desde 2001 ele partiu para a fermentação em ânfora. Atualmente Gravner tem 46 ânforas de 1500 a 2500 litros.
Ele importa as ânforas e não as faz na Itália, porque a terra de onde vem a ânfora é uma terracotta muito especial, de Imerete, uma região da Geórgia e que tem esta particularidade de a terra não ter estes metais nocivos para a saúde, uma montanha na beira do Cáucaso que não tem cádmio e nem chumbo.
A ânfora é usada enterrada e somente serve se enterrada porque é aí que ela cumpre seu papel . Primeiro, precisa ter a terra para dar boa uva, e este ciclo se completa quando a ânfora de terra dá um bom vinho. A terra que circunda a ânfora enterrada é viva e mantém vivo o vinho dentro da ânfora.
A ideia de Gravner é cada vez mais tirar as coisas em vez de acrescentar. A indústria alimentar e do vinhos têm mais de 300 aditivos colocados e Gravner quer cada vez tirar mais.
Não tem temperatura controlada para fermentação. Gravner diz que não é Deus para controlar a temperatura, que ele nasceu e vai morrer um dia e acha que o mosto tem que ter a temperatura que é da natureza das leveduras . Não há nenhum tipo de cimento na cantina, porque, segundo Gravner, o cimento é cancerígeno.
A fermentação em ânfora é feita com leveduras sempre selvagens, da própria uva, e a fermentação começa quando começa.
Usa apenas uvas que vêm de seus vinhedos, que não têm pesticidas, herbicida, fertilizante.
E na fermentação em ânfora Gravner nem coloca nem retira nada. Uma vez que o mosto está nas ânforas, ele, Gravner, não faz nada. As ânforas eliminam a participação humana. Inclusive não faz controle de acidez, de açúcar, de taninos, não faz nenhum tipo de intervenção. A uva tem de ser muito boa.
Na fermentação da Ribolla 2014, pode-se ver os grãos contaminados pela podridão nobre, pela botritis. Gravner aprendeu na escola de enologia que deveria evitar a Botrytis e o pai dele lhe dizia que a Botrytis era positiva. E hoje Gravner tem certeza disso. É o recurso nas safras mais úmidas, nas quais ele deixa a Botrytis se manifestar, porque inclusive ela retira, ela consome água, e elimina um pouco o efeito da diluição nos anos mais chuvosos.
Com o tempo deixou de fazer os vinhos internacionais que fazia e agora o Breg 2014 é seu último, porque vai fazer somente Ribolla. E por quê? Porque ele gosta de Ribolla. É uma decisão econômica, mas decidiu: as grandes castas somente fazem algo sensacional em um determinado lugar do mundo. Como a nebbiolo somente faz grandes vinhos no Piemonte e a Ribolla – que está há anos no Friuli – faz grandes vinhos lá.
Os vinhos passam um ano em ânfora e seis anos em botti grande. E usa o número sete que é mágico.
Ele faz o vinho para ele e o que sobra ele vende.
Está tentando usar o engaço. Durante cinco mil anos fez-se o vinho sem desengaçadeira. Mas o engaço tem de estar bem maduro. Acredita que seus vinhos com engaço vão agradar ainda menos gente.
Não é biodinamico, mas usa as coisas que ele vê que são importantes.
Não faz vinho industrial, mas artesanal como milênios atrás.
Ele acha e por experiência que seus vinhos devem ser guardados em pé. E servidos à temperatura de 20˚C.
Josko Gravner fala baixo, serenamente, modesto e humilde como um camponês. Mas seu interlocutor pressente que sob aquela modéstia existe uma determinação enérgica e sem concessões. Como seus vinhos.